Reflexões

RETIRO DA QUARESMA 2013

Tema: QUARESMA
 
I - BREVE HISTÓRIA DA QUARESMA

Pe. Daniel
O termo «quaresma» é uma contração da palavra latina «quadragésima», que significa «quarentena». Esta palavra faz referência ao dia da Páscoa.
Conscientes da importância que a Páscoa tinha para a sua vida, os cristãos, desde os tempos apostólicos (IIe), começaram a celebrá-la e bem cedo começaram também a reservar um tempo de preparação (duas dias: sexta e sábado santo que formavam com o domingo o tríduo pascal) para a celebração do Mistério Pascoal. E este período de quarenta dias acabara de ser fixado no século IV. O número quarenta é muito rico de simbolismo. Porque na história da salvação, os grandes acontecimentos e os encontros decisivos do homem com Deus estão ligados a esse número, que na Bíblia exprime também a totalidade da nossa vida. A duração de quarenta dias comemora ao mesmo tempo os quarenta dias do dilúvio universal, os quarento ânus de Israel pelo deserto até chegarem a terra prometida, os quarenta dias de Elias em sua fuja, os quarenta dias que Jonas deu a Nínive para se converter ao Senhor, os quarenta dias e noites de jejum de Moisés antes de receção da Lei e os quarenta dias e noites de jejum de Cristo no deserto entre o seu batismo e o começo da sua vida pública, aqueles onde ele foi tentado por Satanás e também os quarenta dias entre a ressurreição e a ascensão de Jesus.


A quaresma é, portanto, um período de quarenta dias de preparação para a Páscoa, «a maior das solenidades» ( SC. 12), pois atualiza o acontecimento culminante da História da Salvação. No início com a quarta-feira das cinzas, os catecúmenos começavam a sua «prova» e empreendiam uma preparação mais intensa em ordem à sua incorporação em Cristo, pelo Batismo recebido na noite da Páscoa. E também os cristãos esforçavam-se por fazer uma séria revisão da sua vida cristã, morrendo mais profundamente para o mal, consolidando a sua perfeição de batizados, crescendo na vida divina, de modo a participarem, mais intensa e vitalmente, no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição do Senhor.

Deste modo, a quaresma tem uma dimensão penitencial e uma dimensão batismal (Sc n 109).

- A dimensão penitencial: a quaresma é, para catecúmenos e batizados, tempo de tomada de consciência dos seus pecados, tempo de busca de Deus, tempo de conversão, o que implica, necessariamente, participação na luta e sacrifício de Cristo, pois a guerra contra o mal e a renovação interior no pensar, no amor e no agir, não se realizam sem esforço.


- A dimensão batismal: na sua dimensão batismal, a quaresma leva todos os batizados a reviverem e a aprofundarem, acompanhando o dinamismo dos catecúmenos, todas as etapas do caminho da Fé, a fim de, consciente e generosamente, renovarem a sua aliança com Deus, juntamente com aqueles que a contraem no Batismo, na noite de Páscoa.


Neste caminho espiritual, que é a quaresma, somos chamados a alimentarmo-nos da palavra de Deus, a qual nos faz reviver as grandes etapas da História da salvação e as figuras como: Adão (criação - pecado e graça); Abraão (vocação e promessa); Moisés (aliança e Lei); David (reino messiânico); Ezequiel (esperança dos profetas) e Isaías (poema do Messias sofredor). E também durante este tempo cada domingo trata um tema. O primeiro domingo trata das tentações, o secundo da transfiguração, o terceiro da conversão e o último, antes da Páscoa do regresso (a entrada Messiânica de Jesus em Jerusalém o domingo de ramos). Domingo da Pascoa é o domingo da vitória da vida sobre o mal. Por isso a liturgia deste dia convida-nos a evitarmos o pecado que Cristo venceu com a sua morte e ressurreição.


Neste tempo devemos trabalhar para a nossa transformação espiritual com o jejum e sobretudo com os Sacramentos da penitência e da Eucaristia. Nesta transformação espiritual, o silêncio é importantíssimo.

O silêncio:

A perceção espiritual do silêncio que a Bíblia propõe, é predominantemente em chave positiva:
 
- O profeta Elias percebe a presença de Deus não no estrondo do furação de audição imediata, mas no murmúrio levíssimo e silencioso de uma brisa (1Rs 19,11-12) para a qual é necessário apurar o ouvido.

- Salomão (1Rs 3,9) respondeu ao desafio de Deus: «pede-me o que tu quiseres» dizendo: «dá-me, Senhor um coração que escuta»

- O livro do Eclesiastes diz-nos: «há um tempo para falar e um tempo para calar» (Ecl 3,7). Porque «o falador não evita o pecado; o que modera os seus lábios é um homem (uma mulher) prudente» (Pr10,19). Isto significa que diante de Deus não é preciso falar muito.

- O livro de Job é muito explícito. Job respondeu ao Senhor, dizendo: “falei levianamente; que poderei responder-te? Ponho a minha mão sobre a boca; falei uma vez, oxalá não tivesse falado; não vou falar segunda vez, nem acrescentarei mais nada» (Jb 40,4-5).

O silêncio é um caminho para a entrada progressiva no mistério de Deus. Ele é superior ao deserto e o jejum diz-nos Gregorio de Nazianzão (+390). Ele dizia: «tu procuras o deserto e o jejum, eu o silêncio». Para Ambrósio o silêncio é indispensável, se quisermos «guardar o segredo do Rei Eterno». E Agostinho dizia que a verdadeira oração é a do coração, no silêncio (conf. IX,10,23-24).

Também o silêncio é indispensável para o conhecimento de si, dos outros e de Deus. Porque «quem não se faz solitário não pode ser silêncio; quem não se faz silêncio não pode entender aquele que fala.

Jesus antes de tomar uma decisão importante retirava-se sempre: antes da sua vida pública, aquela que precede a sua atividade messiânica e junto dos discípulos. Na sua paixão Ele «foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro» (Is 53,7). Jesus cala-se diante do sumo-sacerdote que o interroga (Mt 26,62-63); também diante de Herodes (Lc 23,9) e finalmente diante de Pilatos (Jo 19,19). Com Jesus nós devemos ter um silêncio de abandono nas mãos de Deus.

Então, neste dia de retiro, somos chamados a entrar em silêncio, em nós mesmos a fim de examinar nossa união a Deus, à nossa família, à nossa comunidade e ao nosso próximo. Imploremos, com a Virgem Maria nossa Mãe, as bênçãos de Deus para uma sociedade e vida melhor. 

Textos para a meditação: Joel 2,12-18; Mt 25,31-46; 6, 7-15; Ez 18,30b-32; Filip 2,12b-15b    

II- FE E CARIDADE (cf. Mensagem de sua Santidade o Papa Bento XVI para a quaresma)
O Santo Padre, na sua mensagem, ajuda-nos a compreender o lugar da Fé e da Caridade na nossa vida. Vejamos:

 - A FÉ:

A Fé diz-nos, constitui aquela adesão pessoal que engloba todas as nossas faculdades, revelação do amor gratuito e «apaixonado» que Deus tem por nós e que se manifesta plenamente em Jesus Cristo. Isso significa que Deus foi o primeiro a amar-nos (1Jo 4,10). Agora o amor já não é apenas um “mandamento”, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao encontro (cf Deus caritas est, 1). Este «encontro com Deus em Cristo que suscite neles o amor e abra o seu íntimo ao outro, de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um mandamento por assim dizer imposto de fora, mas uma consequência resultante da sua fé que se torna operativa pelo amor» (ibid, 31). Por isso, o cristão é uma pessoa conquistada pelo amor de Cristo. Esta atitude nasce, antes de tudo, da consciência de ser amados, perdoados e mesmo servidos pelo Senhor, que Se inclina para lavar os pés dos Apóstolos e Se oferece a Si mesmo na cruz para atrair a humanidade ao amor de Deus. A fé mostra-nos o Deus que entregou o seu Filho por nós e assim gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo verdade: Deus é amor! Tudo isto nos faz compreender como o procedimento principal que distingue os cristãos é precisamente «o amor fundado sobre a fé por ela plasmado» ( ibid 7)

- A CARIDADE:

Toda a vida cristã consiste em responder ao amor de Deus. A primeira resposta é precisamente a fé como acolhimento, cheio de admiração e gratidão, de uma iniciativa divina inaudita que nos precede e solícita; e o «sim» da fé assinala o início de uma luminosa história de amizade com o Senhor, que enche e dá sentido pleno a toda a nossa vida. Mas Deus não se contenta com o nosso acolhimento do seu amor gratuito; não Se limita a amar-nos, mas quer atrair-nos a Si, transformar-nos de modo tão profundo que nos leve a dizer, como São Paulo: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (cf. Gl 2,20). Quaresma dá espaço ao amor de Deus, tornamo-nos e nos semelhantes a Ele, participantes da sua própria caridade. Abrirmo-nos ao seu amor significa deixar que Ele viva em nós e nos leve a amar com Ele, n’Ele e como Ele; só então a nossa fé se torna verdadeiramente uma «fé que atua pelo amor» (Gl 5,6) e Ele vem habitar em nós (cf. 1Jo 4,12).


Portanto a fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1Tm 2,4); a caridade é «caminhar» na verdade (cf. Ef 4,15). Pela fé, entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15,14-15). A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13,13-17). Na fé, somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1,12-13); a caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o fruto do Espírito Santo (Gl 5,22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade fá-los frutificar (cf. Mt25,14-30). A fé faz-nos conhecer a verdade de Cristo como Amor encarnado e crucificado, adesão plena e perfeita á vontade do pai e infinita misericórdia divina para com o próximo; a fé radica no coração e na mente a firme convicção de que precisamente este Amor é a única realidade vitoriosa sobre o mal e a morte. A fé convida-nos a olhar o futuro com a virtude da esperança, na expectativa confiante de que a vitória do amor de Cristo chegue à sua plenitude. Por sua vez, a caridade faz-nos entrar no amor de Deus manifestado em Cristo, faz-nos aderir de modo pessoal e existencial à doação total e sem reservas de Jesus aos irmãos. Infundindo em nós a caridade, o Espírito Santo torna-nos participantes da dedicação própria de Jesus: filial em relação a Deus e fraterna em relação cada ser humano (cf. Rm 5,5). 


- O ENTRELAÇAMENTE INDISSOLÚVEL DE FE E CARIDADE

A relação entre estas duas virtudes é análoga à que existe entre dois sacramentos fundamentais da Igreja: o Batismo e a Eucaristia. O Batismo (sacramento da fé) precede a Eucharistia (sacramento da caridade), mas está orientado para ela, que constitui a plenitude do caminho cristão. De maneira análoga, a fé precede a caridade, mas só se revela genuína se for coroada por ela. Tudo parte do acolhimento humilde da fé (« saber-se amado por Deus»), mas deve chegar à verdade da caridade («saber amar a Deus e ao próximo»), que permanece para sempre, como coroamento de todas as virtudes (cf. 1Cor 13,13). Então nunca podemos separar e menos ainda contrapor fé e caridade. Estas duas virtudes teologais estão intimamente unidas, e seria errado ver entre elas um contraste ou uma «dialética». Mas para uma vida espiritual sã, é necessário evitar tanto o fideísmo como o ativismo moralista.

A existência cristã consiste num continuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus (cf. At 6,1-6; Lc 10,38-42). Servir irmãos e irmãs na caridade mas sobretudo no anúncio do Evangelho. Porque a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana.

A quaresma com as indicações que dá tradicionalmente para a vida cristã, convida-nos precisamente a alimentar a fé com uma escuta mais atenta e prolongada da palavra de Deus e a participação nos Sacramentos e, ao mesmo tempo, a crescer na caridade, no amor a Deus e ao próximo, nomeadamente através do jejum, da penitência e da esmola

Pe. Daniel

 Uma reflexão sobre a semana santa



A semana santa tem diferentes nomes. Alguns povos a denominam  “semana silenciosa”, querendo destacar que estes dias são diferentes dos demais. A quaresma também é denominada Época da Paixão. Mas, a intenção ao falar de uma semana santa é a mesma. Acompanhamos nestes dias os últimos passos de Jesus em Jerusalém, desde a sua entrada triunfal, no domingo de ramos, até sua morte, na sexta-feira, e a ressurreição, no domingo de Páscoa.
Um hino do século 17 descreve não só a intenção da semana santa, mas de toda a quaresma: “Cristo quero meditar no teu sofrimento, queiras tu iluminar o meu pensamento”. A semana santa deve ser vista dentro do “ciclo de Páscoa” do ano litúrgico da igreja. Inicia na quarta-feira de cinzas (40 dias antes da Páscoa, excetuando-se os domingos) e termina 40 dias depois da Páscoa, na quinta-feira em que se comemora a Ascensão de Jesus Cristo.
A semana santa, bem como a quaresma, tem data variável: cada ano é diferente. O domingo de Páscoa cai no primeiro domingo depois da lua cheia após 20 de março, que é a data nominal do equinócio da primavera no hemisfério Norte. A partir da data de Páscoa fixam-se as demais datas dos dias anteriores e posteriores. Também o carnaval respeita esta antiga tradição: 40 dias antes da Páscoa inicia a Quaresma e, no dia imediatamente anterior ao início deste tempo, festeja-se o carnaval.
Quaresma – Os 40 dias foram estabelecidos no século VIII porque o número 40 tem significado especial na Bíblia: lembramos os 40 dias de Moisés, do profeta Elias e de Jesus Cristo no deserto.
Quarta-feira de Cinzas – Neste dia começa a quaresma, sempre numa quarta-feira. Seu nome origina-se do costume de fazer o sinal da cruz na testa com cinzas, como sinal e símbolo de penitência, jejum e oração.
Ascensão – Quarenta dias depois do domingo da ressurreição termina o período de Páscoa, pois o livro de Atos relata que após a ressurreição Jesus apareceu “durante quarenta dias” aos discípulos e então subiu ao céu (Atos 1.1-11).
A semana santa no calendário litúrgico
Domingo de Ramos – Neste domingo anterior à Páscoa, com o qual começa a semana santa, lembra-se a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (Mateus 21.1-11).
Segunda-feira – Comemora-se a purificação do templo por Jesus (Mateus 21.12-13).
Terça-feira – Descrição de Jesus aos discípulos sobre a destruição de Jerusalém (Mateus 23.37-24.2).
Quarta-feira – Lembra a decisão de Judas de trair Jesus e entregá-lo por 30 moedas de prata aos sacerdotes (Mateus 26.14-16).
Quinta-feira Santa – Celebra a instituição da Santa Ceia e lembra a agonia de Jesus no jardim do Getsêmani. Igualmente, é lembrado como Jesus lavou os pés de seus discípulos (Mateus 26.26-30 e 36-46) (João 13.1-11).
Sexta-feira Santa – Lembra a crucificação e a morte de Jesus (Mateus 27.33-56).
Sábado de Aleluia – Reflete-se sobre o sepultamento de Jesus (Mateus 27.57-66).
Domingo de Páscoa – Celebração da ressurreição de Jesus (Mateus 28.1-10).
Significado teológico
“Nós pregamos a Cristo crucificado”, escreve o apóstolo Paulo na primeira epístola aos Coríntios (1.23). Não são os sinais e nem a sabedoria que devem estar no centro da reflexão e, com isto, da fé cristã, mas a morte de Jesus Cristo. Aqui está o centro de toda a teologia. Por este motivo, as igrejas cristãs têm no centro dos seus altares a cruz ou o crucifixo, como a lembrar que o acontecimento mais importante é a morte de Cristo.
O costume de celebrar a semana santa com todas as suas tradições, que se formaram ao longo dos séculos, pode ser um auxílio para compreender e memorizar que o centro de nossa fé cristã está na morte de nosso Senhor. O Cristo ressuscitado é o mesmo que morreu crucificado na Sexta-feira Santa.


Alfredo Costa